Durante meses, convivi com uma dor articular persistente. Nada incapacitante, mas o suficiente para me lembrar todos os dias de algo que não estava em equilíbrio. Eu sabia o caminho tradicional — anti-inflamatórios, fisioterapia, repouso — e também conhecia seus limites.
Foi então que decidi fazer comigo o que prescrevo aos meus pacientes: aplicar a combinação de radiofrequência (RF) e BMA (aspirado de medula óssea), duas das técnicas mais modernas da ortopedia regenerativa.
O resultado foi transformador — e me trouxe mais do que alívio. Trouxe a confirmação prática de que a fisiologia, quando bem direcionada, é o melhor instrumento de cura.
O papel da radiofrequência na dor crônica
A dor é, em essência, um fenômeno elétrico. Ela nasce na periferia — articulações, músculos, nervos — e viaja por vias específicas até o cérebro. Nos casos crônicos, esse sistema entra em “curto-circuito”: os nervos permanecem ativos mesmo quando o estímulo original já não existe. É o chamado processo de sensibilização periférica e central.
A radiofrequência atua exatamente nesse ponto. Por meio de uma agulha especial guiada por imagem, ondas eletromagnéticas são aplicadas para modular a condução nervosa e “reeducar” o sistema da dor.
Ao contrário da ideia equivocada de que se “queima” o nervo, a RF visa modular sua atividade elétrica, reduzindo a excitabilidade das fibras responsáveis pelo estímulo doloroso.
Em muitos pacientes — e agora, posso dizer, também em mim — o efeito é perceptível: a dor perde força, a inflamação cede, o corpo volta a se mover com naturalidade.
Estudos recentes mostram que a radiofrequência, tanto térmica quanto pulsada, tem eficácia comprovada em dores facetárias, sacroilíacas, neuropáticas e em osteoartrite de joelho. É um tratamento ambulatorial, minimamente invasivo e com baixo risco — o que o torna uma excelente opção antes de se considerar uma cirurgia.
O potencial regenerativo do BMA
Mas aliviar a dor é apenas metade do caminho. A segunda frente de ação foi o BMA (Bone Marrow Aspirate) — o aspirado de medula óssea, um dos pilares da medicina regenerativa.
A medula óssea é uma fonte natural de células progenitoras mesenquimais e fatores de crescimento, capazes de modular inflamações e estimular o reparo tecidual. Essas células não “viram” cartilagem ou osso, como se acreditava no início dos estudos, mas orquestram a regeneração, sinalizando para que o próprio corpo inicie um processo de recuperação biológica.
O procedimento é relativamente simples: uma pequena quantidade de medula é retirada da crista ilíaca, processada e aplicada no local da lesão, sob guiagem por ultrassom ou radioscopia. Ao ser injetado, o concentrado atua como um “microambiente biológico”, rico em citocinas e mediadores anti-inflamatórios que estimulam a reparação do tecido.
Na prática, o BMA tem mostrado resultados consistentes em artrose leve a moderada, tendinopatias e lesões osteocondrais, reduzindo dor e melhorando a função articular. É um processo lento e natural — não anestesia o problema, corrige o desequilíbrio fisiológico.
A integração entre dor e regeneração
O que torna a combinação entre radiofrequência e BMA tão interessante é o princípio fisiológico que as une. Enquanto a RF interrompe a via elétrica da dor, o BMA atua na raiz biológica da lesão, acelerando a regeneração. É uma integração entre neurociência e biologia celular.
Quando feita com critério, guiagem precisa e indicação correta, essa associação cria um ambiente ideal: o corpo deixa de estar em estado de alarme (dor constante) e entra em estado de reparo (regeneração ativa).
Essa é a essência da medicina regenerativa moderna — não se trata de milagre, mas de fisiologia aplicada com precisão técnica.
Na minha experiência pessoal, os resultados foram melhores do que eu esperava. A dor cedeu, o movimento voltou, e com ele veio algo que sempre reforço aos meus pacientes: a confiança no próprio corpo.
Uma nova forma de fazer ortopedia
A ortopedia contemporânea não se limita a reconstruir estruturas ou substituir articulações. Ela busca entender o organismo como um sistema integrado, onde dor, inflamação e regeneração coexistem. É uma medicina que combina tecnologia, ciência e biologia — sem abrir mão da prudência clínica.
Nem todo paciente precisa de radiofrequência ou BMA. Mas para aqueles que enfrentam dor crônica, desgaste articular e limitação funcional, essas terapias oferecem uma alternativa real entre o conservador e o cirúrgico.
O futuro da ortopedia não está em intervir mais, e sim em intervir melhor — com menos agressão e mais inteligência biológica.
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